Como o desinteresse dos jovens pela carteira de motorista afeta a mobilidade urbana

20/08/2018 às 16h25 | Fonte: www.olhaafoto.com | 483 Exibições.

Um documento de 8,5 centímetros de altura por 6 centímetros de largura está deixando de ser visto por jovens como o passaporte para a vida adulta. Levantamento da empresa de pesquisas Ipsos, com base nos dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), revela que a emissão da carteira de motorista para condutores de 18 a 21 anos caiu 20,61% em três anos. Foram 939 mil habilitações em 2017 para essa faixa etária contra pouco menos de 1,2 milhão em 2014, um fenômeno que reforça desafios às autoridades de mobilidade urbana.

Um outro estudo, feito pelo Ibope no ano passado, reafirma as constatações das estatísticas oficiais. Apenas 27% dos homens e mulheres com até 25 anos têm o documento no Brasil.

Esse desinteresse está associado a uma série de causas, segundo os especialistas. O primeiro deles é o custo. O valor varia de estado para estado, mas, em média, um candidato precisa desembolsar R$ 2 mil para poder ganhar a licença para dirigir automóveis ou caminhonetes. Como dão um novo status ao carro, que começa a perder o prestígio e deixa de ser sinônimo de independência, as novas gerações gastam o valor em outras prioridades e adiam as aulas nos Centros de Formação de Condutores. Números reunidos pela Associação Nacional de Detrans indicam que os brasileiros tiram a primeira habilitação só aos 25 anos, sete anos depois da autorização legal.

 

“Hoje, muitos jovens preferem investir em um telefone celular do que na CNH”, observa o presidente da entidade, Antônio Carlos Gouveia.

É pelo aparelho que eles têm acesso a outro fator que alimenta o desinteresse pela carteira de motorista nos centros urbanos brasileiros. Com meia dúzia de cliques, chamam um condutor pelos aplicativos de transporte e fazem as viagens de que precisam. “Os jovens já não são mais tão apaixonados pelo carro, mas não abandonaram as comodidades. Agora, aqueles de classe média têm os aplicativos ou os próprios pais”, explica o professor universitário Luiz Afonso Senna, PhD em Transportes pela Leeds University (Inglaterra) e ex-diretor da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT).

Aqui mora a preocupação de Senna. Ele e outros especialistas temem que o avanço dos apps amplie os congestionamentos nas metrópoles e ameace o transporte coletivo. Um relatório divulgado em julho se tornou uma das primeiras pesquisas a analisar esse impacto em nível nacional nos Estados Unidos. Ao estudar dados de oito cidades americanas e do estado da Califórnia, o consultor Bruce Schaller chegou à conclusão de que 60% dos usuários fariam deslocamentos a pé, de bicicleta, de ônibus ou de trem se não houvesse o serviço. “É uma lógica perversa para as cidades”, avalia Senna, que apoia uma maior regulação do poder público para minimizar os impactos.

As empresas costumam se apoiar em outros levantamentos para defender que os aplicativos podem reduzir o uso de carro nas cidades. Um estudo do Fórum Internacional de Transportes da OCDE, por exemplo, prevê uma queda de 90% no número de veículos nas ruas com um serviço de automóveis compartilhados e autônomos se juntando a uma boa rede de metrô.

Os aplicativos de transporte, aliados aos ônibus, levaram a universitária Larissa Takeda, 20 anos, a desistir de fazer a carteira de motorista. Ao ser reprovada nos testes, a moradora de Porto Alegre percebeu que a CNH não “tinha tanta utilidade”. “Os dois serviços me satisfazem”, afirma a estudante de Engenharia de Computação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Colega de universidade de Larissa, Natanael Verona Minossi, 18 anos, adiou os planos de tirar a autorização para dirigir por ter outras prioridades, mas sofre com os problemas do transporte público brasileiro. “Muitas vezes, os ônibus estão superlotados. Além disso, à noite, ficar na parada ou fazer caminhada dali até a minha casa é inseguro”, justifica o aluno de Ciências Atuariais.

Natanael faz coro a outros usuários brasileiros da rede de transportes coletivos. Pesquisadores contratados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) constataram que a violência e a falta de conforto aparecem no pódio das queixas dos usuários de ônibus e trens, junto com o preço das tarifas, considerados elevados.

Para especialistas, sanar essas deficiências tiraria das ruas carros de motoristas particulares ou ligados aos aplicativos. De quebra, consolidaria a tendência de desinteresse juvenil pelos automóveis.